segunda-feira, 7 de julho de 2008

A inocência perdida das canções de ninar


Eu, uma brasileira morando nos Estados Unidos da América, para ajudar no orçamento estou fazendo “bico” de babá e estudo. Ao cuidar de uma das meninas, cantei “Boi da cara preta” para ela, antes dela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música que ela sempre pede para eu cantar ao colocá-la para dormir.
Antes de adotarmos o “boi, boi, boi” como canção de ninar, a canção que cantávamos (em Inglês) dizia algo como: Boa noite, linda menina, durma bem./ Sonhos doces venham para você,/ Sonhos doces por toda noite”... (Que lindo!)
Eis que um dia Mary Helen me pergunta o que as palavras em português da música “Boi da cara preta” queriam dizer em inglês: “Boi, boi, boi, boi da cara preta,/ pega essa menina que tem medo de careta...”
Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a música “Boi da cara preta” era uma ameaça, era algo como “dorme logo, senão o boi vem te comer”? Como explicar que eu estava tentando fazer com que ela dormisse com uma música que incita um bovino de cor negra a pegar uma cândida menina? Claro que menti para ela, mas comecei a pensar em outras canções infantis, pois não me sentiria bem ameaçando aquela menina com um temível boi toda noite... Que tal... “nana neném que a cuca vai pegar...”
Caramba... outra ameaça! Agora com um ser ainda mais maligno que um boi preto! Depois de uma frustrante busca por uma canção infantil do folclore brasileiro que fosse positiva e de uma longa reflexão, eu descobri toda a origem dos problemas do Brasil. O problema do Brasil é que a sua população em geral tem uma auto-estima muito baixa. Isso faz com que os brasileiros se sintam sempre inferiores e ameaçados, passivos o suficiente para aceitar qualquer tipo de extorsão e exploração, seja interna ou externa.
Por que isso acontece? Trauma de infância! Trauma causado pelas canções da infância. Vou explicar: nós somos ameaçados, amedrontados, encaramos tragédias desde o berço! Por isso levamos tanta porrada da vida e ficamos quietos. Exemplificarei minha tese: Atirei o pau no gato-tô-tô/ Mas o gato-tô-tô não morreu-reu-reu / Dona Chica-ca-ca admirou-se-se/ Do berrô, do berrô que o gato deu/ Miaaau! Esse clássico do cancioneiro infantil é uma demonstração clara de falta de respeito aos animais (pobre gato) e crueldade. Por que atirar o pau no gato, essa criatura tão indefesa? E para acentuar a gravidade, ainda relata o sadismo dessa mulher sob a alcunha de “D. Chica”. Uma vergonha!
Eu sou pobre, pobre, pobre,/ De marré, marré, marré. Eu sou pobre, pobre, pobre,/ De marré de si./ Eu sou rica, rica, rica,/ De marré, marré, marré./ Eu sou rica, rica, rica, De marré de si. Colocar a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos tão doces!! É impossível não lembrar do seu amiguinho rico da infância com um carrinho de controle remoto, e você brincando com seu carrinho de plástico?
Vem cá, Bitu! vem cá, Bitu!/ Vem cá, meu bem, vem cá! Não vou lá! Não vou lá, Não vou lá!/ Tenho medo de apanhar. Quem é o adulto sádico que criou essa rima? No mínimo ele espancava o pobre Bitu...
Marcha soldado,/ cabeça de papel!/ Quem não marchar direito,/ Vai preso pro quartel. De novo: ameaça. Ou obedece ou se dana. Não é à toa que brasileiro admite tudo de cabeça baixa...
A canoa virou,/ Quem deixou ela virar?/ Foi por causa da fulana/ Que não soube remar. Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas a dedurar e condenar um semelhante. Bate nele, mãe!
Samba-lelê tá doente,/ Tá com a cabeça quebrada./ Samba-lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A pessoa, conhecida como Samba-lelê, encontra-se com a saúde debilitada, necessita de cuidados médicos, mas, ao invés de compaixão e apoio, a música diz que ela precisa de palmadas! Acho que o Samba-lelê deve ser irmão do Bitu...
O anel que tu me deste/ Era vidro e se quebrou./ O amor que tu me tinhas/ Era pouco e se acabou... Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?
O cravo brigou com a rosa/ Debaixo de uma sacada;/ O cravo saiu ferido/ E a rosa despedaçada./ O cravo ficou doente,/ A rosa foi visitar;/ O cravo teve um desmaio, A rosa pôs-se a chorar. Desgraça, desgraça, desgraça! E ainda incita a violência conjugal (releie a primeira estrofe).
Precisamos lutar contra essas lembranças, meus amigos!
Nossos filhos merecem um futuro melhor!


Araçatuba Vilmara Belo

4 comentários:

Silas Torres disse...

bonito, e tocante... nada mais ^^
acho q temos problemas maiores pra se preocupar q cantigas de ninar ^^

Silas Torres disse...

até me lembro do gabriel pensador cantando: "boi, boi boi da cara preta, pega essa criança com um tiro de escopeta."

a violência real SIM! me preocupa ^^

Atson disse...

Cara, esse texto é demais. De uma maneira meiga e simples ele nos introduz uma questão interessante, que daria um tema de mestrado, de doutorado talvez. Como as folclóricas canções de ninar refletem a realidade social de um povo, ou antes, como as inocentes e insuspeitas canções folclóricas de ninar ajudam a moldar o psiquismo coletivo e, como conseqüência, a realiade social de um povo?
Por anos e, sobretudo os anos da primeira infância, onde não temos o senso crítico suficiente para recusar as mensagens, somos docemente bombardeados com canções de teor negativo... Elas no afetam?
Sim, não? Se sim, em que medida?
É realmente um tema pra pesquisa.
Pois bem, após contra-argumentar Silas...
Finalmente lembrei de entrar aqui no canto dos Plebeus...
O blog tá legal. Boa "fachada". Bom Slogan... "e porque tão sério?"
Valeu pessoal.

JeddiDantas disse...

concordo com silas... essa é sim um incentivo a violência.. a falta de amor e tal...

mais isso não é assim tao preocupante e/ou urgente